Armando o jogo

Primeiras imagens. Um homem no banheiro. Cocaína. Uma arma na mão. Olhar e gestos tensos. Cortes rápidos. Um senhor calvo compra uma passagem na rodoviária. Três mulheres na plataforma da rodoviária, duas adolescentes e uma mais madura. O homem do banheiro as olha de longe. A câmera toma a subjetiva e passeia longamente pelo corpo das mulheres. O olhar do homem mostra raiva e desejo. O homem calvo chega, cumprimenta-as. São sua família. Ele entra no ônibus. Porta do ônibus fechando, preparando-se para partir, mas é impedida pelo homem do banheiro, que entra apressado e senta ao lado do homem calvo.

Esses passos iniciais parecem o prenúncio de uma tragédia, e assim o diretor Marcos Fábio Katudjian habilmente conduz sua narrativa. Tomando como base a refilmagem de “Cabo do Medo” por Martin Scorsese (1991), a progressão do embate entre o ex-detento Jonas e o promotor Dr. Mascarenhas, que o mandou para a cadeia, chega a um nível quase insuportável, ancorado na força dos diálogos e atuações precisas dos atores.

Quando tudo parece que vai para o desfecho trágico ou que iremos mais fundo no poço, a percepção de Jonas se volta para alguém entrando no ônibus (seria a polícia?). Sua expressão denota surpresa e aí vemos quem está entrando… Só nesse momento lembra-se o nome do curta: “Rivellino”. E é ele mesmo que surge. Os personagens, antes envoltos no clima de tensão, esquecem-se de tudo e mostram-se mais do que fãs, pessoas que tiveram suas vidas marcadas pelas suas atuações. Outro clima instala-se no curta; toda aquela tensão some como mágica e assume tons cômicos e sentimentais de homenagens ao jogador.

É um pequeno milagre conduzir duas partes tão díspares de forma tão completa e com uma transição sem traumas entre elas, mantendo a coerência e a facilidade de comunicação com o público, sem deixar de surpreendê-lo. Se isso é difícil num longa-metragem, imagine condensado em 16 minutos. Um filme completo em sua proposta e com potencial para atingir em cheio as pessoas, muito além dos amantes de futebol. (Carlos Alberto Farias)

“Rivellino” está no Panorama Paulista 4.

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