CONFLITOS HEREDITÁRIOSArarat, de Guto Gomes

por Rodrigo Saturnino

O que mais chama atenção na narrativa de Ararat é sua intimidade com o tema abordado. O filme conta a história de dois irmãos descendentes de armênios, herdeiros de uma confeitaria tradicional da cultura armênia. Estão encerrando os preparativos para o evento que relembra os 100 anos do genocídio do povo armênio, causado pelo império turco, quando um representante do evento vem até a confeitaria para tentar sabotar as entregas. O diretor Guto Gomes demonstra honestidade e um grande cuidado com o tema e a construção dos personagens de seu filme.

Pouco importa se o diretor é de descendência armênia; há um partido tomado pela narrativa que indica uma proximidade com essa cultura. É intrigante essa intimidade. Na história do curta, são os filhos, ou netos, do evento que protagonizam a luta centenária. Ou seja, o diretor usa do recurso da memória, com fotos de família penduradas nas paredes, os doces de receitas tradicionais e o filme caseiro que inicia o curta para construir sua ambientação.

A construção de tensão do filme é bem feita, mas pelo seu formato parece não haver muito espaço para dúvida. O representante do evento é logo apresentado como turco, sem deixar espaço para a especulação que elevaria a tensão do curta. Sabemos que há uma tentativa de sabotagem desde o início, quando Paulinho, o irmão mais novo, verbaliza suas suspeitas para seu irmão, Hagop. O final também deixa um pouco a desejar no que diz respeito a uma postura mais combativa e menos pacificadora. A revelação das anotações de Emin, o representante do evento, parece ser uma solução imatura.

Parece que os principais problemas narrativos do filme são causados pelo seu formato de curta-metragem. Isso é bom e ruim. Ruim por não contemplar todo o potencial que a história tinha, a sina de todo iniciante. Mas também é bom porque deixa no público uma vontade de ver mais. O que também ajuda na relação entre o filme e seu público é a escalação dos atores. Os dois protagonistas, Joaquim Muylaert e José Abujamra, são achados perfeitos para o filme. Ambos representam duas gerações distintas, algo que é possível perceber até pelos nomes: Paulinho, o mais novo, Hagop, o mais velho. E como todo bom filme, aqui há espaço para a contradição. O mais novo poderia ter sido o mais pacificador, enquanto o mais velho o mais tradicional e duro, mas há uma inversão de papéis que funciona muito bem na dinâmica dos dois. Hagop, por ser o mais velho e o mais responsável, tenta evitar o conflito, enquanto Paulinho carrega dentro de si uma raiva enorme.

Ararat é um filme de altos e baixos. Se por um lado a narrativa não contempla todo o seu potencial para tensão, por outro o curta tem um trabalho de direção, ambientação e atuação que dá uma credibilidade que o diferencia das outras produções vistas no festival, em especial nas produções de diretores iniciantes.

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