Em respeito à solidão

au revoir

O minucioso controle e planejamento dos gestos, palavras, enquadramentos e cortes parece procedimento minoritário no atual contexto do cinema de caráter mais “autoral”. Em meio à um mar de planos propositadamente esgarçados, gestos “espontaneamente” rarefeitos em seus sentidos e uma certa utilização da ambiguidade como fator pré-legitimador a filmes que se querem “sérios”, Au Revoir, de Milena Times, chega como uma necessária recordação da riqueza e pertinência que a construção cinematográfica econômica e precisa em suas escolhas, sem receio de fazer sentido, pode agregar a um filme.

O corpo da protagonista carrega em cada gesto uma objetividade narrativa que, ao contrário do engessamento que tal escolha dramática aparentemente suscitaria, acaba por pontuar ao longo do filme – aliada sempre à fala precisa e à uma minuciosa exploração espacial – os exatos humores e níveis de familiaridade vividos entre a brasileira e a senhora sua vizinha ao longo da delicada relação ali estabelecida.

O hall do edifício em que moram é a primeira fronteira entre suas intimidades. Encontrando-se através de seus respectivos exílios, as duas mulheres percorrem um caminho de incômodas minúcias. O apartamento vizinho, que a mais jovem, a princípio, adentrava com acanhamento e retidão, passa a ser um prolongamento de seu lar: um imóvel do qual partilha as chaves e a solidão inabitável.

Se a fronteira entre seus apartamentos é logo transposta, a total aproximação entre as duas personagens só esboça se dar por completa sob a íntima e solitária lógica da dor humana, na qual, em sua excruciante plenitude, só é possível permanecer sozinha(o). Quando a jovem esboça partilhar de seu sofrimento, a convalescente senhora necessita partir: Não existe calvário com lugar para dois.

Os últimos planos do filme são os do apartamento da falecida, vemos a brasileira sozinha no quarto de cama vazia e a sala sem seu gato: nem mesmo Hércules resistiu. Idos aqueles poucos próximos de si, restam à jovem a indiferença do espaço e um cilindro de oxigênio, condições típicas para todos nós, exilados.

Bruno Marra

Au Revoir está na Mostra Brasil 7. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2013

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