Gestos de guardar o sol sobre Aqui onde tudo acaba, dirigido por Cláudia Cárdenas e Juce Filho

por Barbara Bello   

 

Quando se caminha embaixo de árvores e o sol pisca na retina, a luz pode ressoar no corpo inteiro. Com a sensibilidade desses olhos, Aqui onde tudo acaba carrega as marcas do sol na película como lampejos n’água. Resultado de uma vivência com os Laklãnõ/Xokleng da Aldeia Bugio em 2022, o curta entrelaça suas histórias e saberes com o próprio gesto de filmar. Relacionando-se com as singularidades do 16mm, as imagens da terra se multiplicam por entre feixes luminosos.                                                                                                          

Segundo os mais velhos, diante do medo, o chefe dos Vãjeky – aqueles que saíram da água – inventa a onça como forma de proteção e diz “minha criação agora grita do jeito que quiser”. Esses dizeres sucedem imagens dos Laklãnõ com a câmera em mãos, convocando uma atenção ao gesto, à criação. A vivacidade que envolve seus registros fervilha no corpo do filme. Deixando rastros entre si, cada imagem carrega um pouco da outra. Entre os galhos em muitas direções, as folhas que curam e as águas fluindo reluz a memória inscrita nessa terra. A presença do olhar dos Laklãnõ se faz mais intensa conforme essas imagens, os cantos e palavras da história se embrenham. Como sua terra, a película é atravessada por muitas vidas e temporalidades. Assim, é possível que se encontrem numa mesma imagem a história que os avós contaram e a festa das crianças de agora.   

A coloração alaranjada da película e os brilhos que incidem por entre as imagens lembram que é dia e faz calor. A textura ruidosa, a fricção entre os registros e os cantos em festa fazem acumular essa quentura. Fazer imagem é como guardar um pouco do sol. Assim, pode seguir ressoando. Quando se fala na possibilidade de o sol apagar, as vozes e memórias dos Laklãnõ cintilam ainda mais fortes e prolongam seu tempo no olhar.   

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