Tensões internas no quadro

nina

É difícil “separar” o trabalho dos departamentos em um filme pronto, mas é nítido aqui um requinte e um domínio de técnicas de direção, amparadas por uma montagem sensível em termos de ritmo, que (me) surpreende no conjunto das mostras Cinema em Curso e no conjunto do festival. A escolha por longos planos gerais se sustenta na articulação de tensões internas ao quadro entre pontos de atenção central e periférica que criam um dinamismo interno ao quadro fixo. E o plano-sequência em que o rapaz desenha as flores é impressionante.

E estou me referindo, claro, a virtudes narrativas. Pessoalmente, não descarto a narrativa clássica como alternativa para o cinema contemporâneo. Neste caso, apontar a relevância de um domínio e de um correto emprego dos procedimentos não deixa de ser uma perspectiva neoclássica de “arte = técnica”. Mas, convenhamos, arte não se trata simplesmente de boas ideias. Não se trata, claro, de más ideias, mas o mundo não é binário, e fora da ficção não temos a alternativa melodramática de recorrer ao desengano.

Nina, por exemplo, me deixa com um gosto estranho na boca, a despeito de sua “leveza”. O ponto delicado é se tratar de um filme profundamente alegórico.

Vejo uma metáfora sobre a arte e o trabalho artístico: o artista como bufão, a arte como uma paixão. Essa paixão, no entanto, é artificialmente produzida a partir do zero – elemento que dialoga diretamente com, pelo menos, outros dois filmes da mostra, Pracinha de Odessa e O Tradutor em que prevalece o imaginário do tradutor. A criação responde a um desejo, a uma vontade íntima de que algo exista para mediar a relação com o mundo. Ou seja, a personagem feminina é produto do imaginário da personagem masculina, produzida justamente para dar conta de um desejo interno a ele. E ela torna-se a perspectiva de superação desse universo de solidão e a centralidade do desejo dos dois, pelo qual eles lutam.

Reiterando um lugar já muito explorado pela ficção industrial, a mulher está diretamente associada a “amor” e a “felicidade”, da mesma forma que o palhaço mau repete o vilão absoluto, com relação ao qual a mocinha pode apenas se desiludir. Mesmo num ambiente alegórico, se estabelece um caminho muito claro e direto para essa “resolução” dos eventos. A relação das personagens não evolui do estado inicial de deslumbramento em que se vê a personagem. A ideia de “relação” se vê destituída de toda sua complexidade e perde seu sentido de um processo interminável de troca.

Não apenas o filme reitera um entendimento profundamente idealizado (e assim frustrante) da criação artística e da relação afetiva, como desperdiça seu minucioso trabalho de narração para afirmar um sentimento profundamente romântico e ingênuo com relação à arte. Para meu supremo desgosto, o amor e a simplicidade não dão conta das complicações contemporâneas.

João Pedone

Nina está na Mostra Cinema em Curso 2. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2013