Aprendendo a crescer
Uma das oportunidades mais interessantes que festivais como o Kinoforum oferecem aos cinéfilos, é a de assistir obras de países como o México, cuja a produção cinematográfica atual raramente chega ao circuito nacional. A terra que nos presenteou com diretores excelentes, como Alejandro Iñarritu, esse ano nos agracia com uma bela obra de fantasia. Contrafábula de Uma Menina Dissecada, de Alejandro Iglesias (xará de Iñarritu), é uma “coming of age story” com ares de conto de fadas macabro e uma impecável direção de arte, aos moldes da escola del Toro, que, vale lembrar, também é mexicano.
Gizella está fazendo 15 anos e sua família burguesa lhe prepara uma grande festa para apresentar a filha, que se tornou mulher, à sociedade. A mãe lhe diz como se portar, o pai lhe ordena o que dizer e a filha mal consegue respirar embaixo de tanta pressão. Sozinha em seu quarto, enquanto termina de se arrumar, a garota nota algo embaixo da cama. Aproxima-se e descobre o objeto: um unicórnio de brinquedo, que lhe faz sorrir pela primeira vez. Assim como a cena citada transparece, é sobre essa dificuldade de abandonar a infância que a obra trata, mas, como toda boa fábula, abusa de metáforas para tecer seus posicionamentos.
Nesse ponto, os mais exigentes podem torcer o nariz e argumentar que a escolha por essa figura de linguagem é pobre e tola, mas, se Milan Kundera afirma que uma simples metáfora é capaz de fazer nascer o amor, podemos supor que uma série delas são capazes de gerar no mínimo alguma reflexão. Aos que eu não consegui convencer na sentença anterior sobre o possível valor das simpáticas alegorias peço que interrompam a leitura por aqui: elas serão encontradas em abundância pelas próximas linhas.
Aos que continuam, peço desculpas por minha extensão digressão. Mas bem, voltemos a trama. Durante o jantar, em meio a figuras mais bizarras que qualquer ser mitológico, a menina nota algo dentro da boca e, incomodada, vai até o banheiro onde descobre que um galho está crescendo dentro de sua boca. O peculiar membro cresce cada vez mais ao decorrer da noite, enquanto Gizella luta para escondê-lo a todo custo. Existe algo na jovem que quer aflorar, rebeldemente, mas a mesma se censura, no desespero de cumprir o seu sacro dever de honrar pai e mãe.
E aí reside o conflito da nossa donzela indefesa. De um lado, o anseio por agradar a mãe, que lhe proíbe de sujar as sapatilhas alvas quando o genuíno desejo de moleca é o de afundar os pés descalços, sem qualquer receio, na lama macia; a obrigação de recepcionar banquetes enfadonhos quando sonhar com unicórnios é muito mais interessante. O medo de crescer quando esse processo significa abandonar todos os prazeres que você conhece até então. A jovem se encontra desarmada em meio à guerra que seus pais declararam contra a sua infância, sem nenhuma trincheira para a mocinha se esconder.
O destino de Gizella, que precisa escolher entre o indivíduo e a instituição familiar, tem cores de tragédia grega; ela, sabores de Antígona, heroína de Sófocles que teve que escolher entre sua família e seu governo; e o drama é familiar a quase todos nós. Como toda fábula indica, por definição, o filme se encerra com uma moral da história. Mas sem a promessa de um final feliz.
Henrique Rodrigues Marques
Contrafábula de uma menina dissecada está na Mostra Latino-americana 5. Clique aqui e confira a programação do filme no Festival de Curtas 2013