Marcando posição nas sombras

A diretora Juliana Rojas achou seu lugar. Um lugar estranho, mas que já a coloca como um dos nomes importantes do cinema brasileiro, ressoando também além de nossas fronteiras.

Seu curta O Duplo sedimenta um estilo. Mostra Juliana como cultora de um realismo fantástico com tintas de terror e sua inserção no cotidiano, seguindo uma construção elíptica e de pequenas catarses que remetem ao cinema de Lucrécia Martel e um certo terror atmosférico oriental – Kiyoshi Kurosawa é um dos nomes que me vêm.

O curta narra o encontro de uma professora com seu duplo e as consequências disso. As informações são preenchidas aos pouco. Juliana e equipe são hábeis em trabalhar com esses elementos como, por exemplo, não situar diretamente o tempo em que se passa a história, brincando com o texto introdutório que cita o caso de uma professora no século 19. A trama do curta se passa atualmente e é uma pequena surpresa quando surgem elementos modernos. Coisas assim vão se avolumando até a quebra entre impressão e real no encontro de pais no auditório, e o violento final.

A figura do duplo é recorrente no cinema fantástico. Outro elemento que surge é do vampiro, em um registro mais próximo do canibalismo, como o que Claire Denis fez no longa Desejo e Obsessão (2001). Denis também pode ser citada como influência para o estilo de Juliana, com sua concisão sensorial.

Esse limite com o fantástico não é tão bem visto na história do cinema brasileiro, mesmo com nomes como José Mojica Marins e Fauzi Mansur tendo feito trabalhos extraordinários. Sempre bom ver alguém traçar esse caminho com elegância e expandindo esses limites, já deixando sua marca de excelência.

Carlos Alberto Farias

O Duplo está na Mostra Brasil 8. Clique aqui para ver a programação do filme

Medo de quê?

Os Mortos-Vivos, terceiro curta da diretora e roteirista carioca Anita Rocha da Silveira, é um filme de terror ? É, mas de onde vem o medo no filme? Isso cada um deve achar da sua maneira. Eu tenho a minha.

O curta está na Mostra Brasil 6, junto com outros bons curtas brasileiros, mas se destacou na abordagem do tema, que não é de zumbis. Mostrando um mundo jovem, de maneira menos particular como em seus outros curtas O Vampiro do Meio-Dia (2008) e Handebol (2010), Anita conta a história de um grupo de garotos e garotas que vivem no  Rio de Janeiro, indo a festas e à praia, tentando achar alguém para se completar, nem que seja em apenas um beijo. Porém, de alguma maneira, o pior acontece e elas acabam sempre ficando sozinhas.

O filme segue o personagem de João Pedro Zappa (presente em todos curtas da diretora). Ele conta uma história macabra de um casal que sofre um acidente doméstico com gás enquanto toma banho; a garota morreu, mas o cara ainda não. Essa história traz o elemento mais importante do filme: uma hora ela está lá e depois não está mais. Ideia codificada na sinopse: “Bia está off-line. As mensagens enviadas serão entregues quando Bia estiver on-line”.

Bia, interpretada por Clarice Lissovsky, é a ficante do João, que desaparece sem mais explicações em uma balada a que eles vão com um grupo de amigos. O último e único plano dela é um longo,“interminável” e profundo take onde ficamos desconfortáveis, a ponto de pedir para sair da sala perante o olhar marcante da atriz mirando o vazio completado por nós enquanto anda em uma fila de banheiro feminino.

O desaparecimento da garota mexe com o rapaz, que tenta a encontrar na internet, no celular e nada. O vazio toma conta dele e então o processo se repete quando ele se envolve com sua amiga, interpretada pela atriz Anita Chaves.

O medo vem desse vazio e sentimento de abandono que chega quando a pessoa por quem você se interessa, ou de que gosta, desaparece da sua vida sem mais nem menos. Uma metáfora das relações passageiras e insignificantes da geração atual? Talvez.

O filme traz ainda muitos elementos que à primeira vista não dá para entender, como o monumento da pirâmide e a esfinge, entre outros, usados para criar o sobrenatural em uma história de realismo fantástico muito bem executada.

Gabriel Ribeiro

Os Mortos-Vivos está na Mostra Brasil 6. Clique aqui e veja a programação do filme