Aquele cara que ia mudar o mundo

aquele cara

Aquele cara é o cearense Jonnata Doll. O próprio título do filme já revela muito sobre o que ele trata. Um documentário pautado na simplicidade de uma câmera filmando uma pessoa, sem grandes produções, sem mudar muito de locação, sem se preocupar em mostrar a vida ao redor dele. Simplesmente mostrando o cara. Ele e sua história de vida.

A autora que vos escreve tem um gosto pessoal por documentários que se limitam a mostrar alguém falando sobre sua vida. Ouvir uma pessoa contando algo é de uma riqueza incrível. Um relato é capaz de criar mil imagens na cabeça do espectador, que jamais poderiam ter sido captadas. Além disso, nesse caso, a escolha da simplicidade na maneira de filmar reflete a simplicidade de Jonnata Doll de falar da vida. O compositor e cantor fala de questões importantes e profundas com muita despretensão e bom humor. Suas letras são bastante críticas, falando de incoerências sociais, consumismo e drogas, entre outras questões que recebem menos atenção do que merecem.

Em seu discurso, Doll fala, à sua maneira informal e lânguida, de temas que dizem respeito à grande maioria dos jovens: sua relação com o amor, a religião e a música, sobre como se sente livre (e confere às drogas créditos por isso) e inadequado à sociedade por sentir-se assim. Com maior talento para escrever do que para cantar, o comportamento crítico e a relação íntima com as drogas, faz lembrar – com o perdão da blasfêmia aos que discordam – Cazuza.

A despretensão e simplicidade que o curta adota para abordar as inquietudes da juventude são enfatizadas pela escolha do local da entrevista, que se dá na maior parte do tempo, à beira do mar. Doll foi o caminho adotado por Dellani Lima para tratar desses assuntos, e atinge o público com seu jeito cativante e descontraído. Parece estar muito à vontade, frente ao oceano, que simboliza liberdade, longe das garras da leis e da hipocrisia. Nesse contexto, Jonnata Doll se põe como só mais um que tem inquietudes e reclamações a fazer, só um cara que poderia ser tantos outros que também andam pelas ruas de Fortaleza, de todo o Brasil e de todo o mundo.

Marina Moretti

Aquele Cara está na Mostra Brasil 6. Clique aqui e confira a programação do filme no Festival de Curtas 2013

Do íntimo e do adolescente

No primeiro, duas amigas de escolas diferentes. No segundo, um grupo de meninos em férias. Em idades parecidas (ao redor dos 13 anos), sexualidade, intimidade, rebeldia, rotina. A Arte de Andar Pelas Ruas de Brasília, de Rafaela Camelo, e Mari Pepa, de Samuel Kishi Leopo, trazem a força dos gestos genuínos da idade.

Os cenários, no primeiro, são as ruas de Brasília. As duas amigas se encontram, trocam cartas, esquematizam a compra do primeiro cigarro, bebem pela primeira vez. Percebe-se nos diálogos um trato realista, com expressões e soluções com as quais o espectador, mais velho, se identifica, e que relembra.

O detalhe proporciona força para a narrativa. Esmalte descascado, mochila caída para baixo da cintura, o aparelho dentário. As personagens encontram-se nesse estágio meio adulto, meio criança, de descompasso com o corpo.

Da conversa com a mãe a menina pede, a Deus, para nunca ser vista pelada. Uma confissão para a amiga. Um momento de carinho, de cumplicidade em que ela questiona, sutilmente, a própria sexualidade. O filme é explícito, mas delicado no tratamento dos momentos de experimentar, tentar, questionar a forma de mostrar-se ao mundo.

O universo dos meninos, no segundo filme, tem outros paradigmas. Eles formam uma banda de rock, ensaiam na garagem, mentem experiências sexuais das mais diversas e mais intensas. E são também cúmplices no espaço da rua.

Na casa do personagem central, outro tipo de relação se dá com a avó. No ambiente privado da casa, da cama desarrumada para a disputa cômica entre os gostos musicais, o menino começa a assumir o lugar de quem cuida. Assim, o espaço da rua, da exposição, do barulho, da ousadia, contrasta com o espaço privado, do cotidiano.

É na direção de atores e na direção de arte que esses dois filmes se endossam. São sinceros no trato do modo juvenil de dizer “tenho ciúme”, “ tenho raiva”, “eu gosto de você”, tanto na construção visual dos personagens como nos lugares que habitam e nas relações com os outros jovens.

Luiza Folegatti

A Arte de Andar Pelas Ruas de Brasília está na Mostra Brasil 8; Mari Pepa integra a Mostra Latino-Americana 5.