TRILHOS

Desejo que ora se esconde, ora se revela

Exibido no Panorama Paulista 2, o curta dos diretores Lucas Hossoe e Luiz Fernando Coutinho lança luz sobre o fenômeno dos encontros homossexuais nos vagões dos trilhos de trem abandonados de São Paulo. Mais do que isso, lança luz sobre privacidade conjunta e códigos informais de conduta.

Nesse aspecto me parece residir o único grande erro do filme: ele se subestima quando se nomeia “Trilhos”. Não é ou não deveria ter um título previsível, sem mistério, que não ecoa em nenhum momento a profundidade que a obra demonstra. Pode parecer preciosismo, mas não é; o curta fala mais do que apenas o local no qual acontece coisas diferentes.

O filme fala sobre como a privacidade de um grupo funciona em termos de códigos informais de conduta. Ali é um local abandonado no qual pessoas vão pra terem relações de todos os tipos, longe do olhar massivo, mas aberto àqueles que sabem como as coisas funcionam ali. É um local de certa forma protegido.

Quando o protagonista leva um homem para sua casa, enquanto este dorme o sujeito estranho encontra fotos de pessoas dos trilhos em relações; o voyeurismo do protagonista será julgado. Até então, ninguém o proibia de olhar, mas registrar algo que era para se manter escondido, sem autorização, é algo bem questionável.

A ambientação é bem feita em todos as cenas, e a fotografia sempre coerente com a profundidade de campo e as trocas conscientes de foco durante as subjetivas do personagem. A cena de sexo tem uma luz bem azul, caracterizando um ambiente noturno reservado, e contrastando com a expressão de um desejo bem ardente que pode e deve escandalizar os mais reservados.

Faz parte: a trama tem de demonstrar a força do desejo que ora se esconde e ora se revela, como um fluxo violento de um rio que acelera e se contém de acordo com o momento e a situação.

O protagonista, ao final, paga o preço por sua audácia de contrariar um código informal de conduta que protegia a todos, já que ele passa a ter a sua própria imagem exposta em fotos para todos os que frequentam os trilhos.

É algo a se pensar. Até onde podemos exercer um voyeurismo saudável que não violente também os direitos do outro, mesmo nos ambientes mais informais?

(Rogério Henrique Gonçalves)

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