DA CULPA À PURIFICAÇÃO – Alfazema, de Sabrina Fidalgo

Por Natália Marques

A alfazema, também conhecida como lavanda, é uma planta medicinal que pode ser usada para o tratamento de diversas doenças, devido às suas propriedades de desintoxicação do organismo. Alfazema é também o curta de Sabrina Fidalgo, uma crônica metalinguística que contempla uma manhã de carnaval na vida de Flaviana.

Assim como a limpeza do corpo trazida pela alfazema, a aventura carnavalesca da protagonista pede por purificação. A história transcorrida em um único cenário – o banheiro de Flaviana -, intensifica a ideia da desintoxicação: muitas culturas colocam o banheiro como um lugar repleto de más energias, um local em que não deve se permanecer por muito tempo, principalmente quando se está vulnerável, já que ali ocorre a limpeza interna e externa do corpo.

O carnaval é uma festa recorrente nas obras de Sabrina Fidalgo – como no curta Rainha, de 2016 -, assim como a posição imposta pela sociedade para um certo grupo de pessoas – no caso de Alfazema, as mulheres.

Após passar uma noite de carnaval com um homem, Flaviana começa a se sentir culpada por seus atos, e então seus demônios internos aparecem para atormentá-la. Ela precisaria de uma purificação, já que, de acordo com a sociedade machista e cristã em que vivemos, não é de bom tom uma mulher passar o carnaval drogada e cada noite com um homem.

Tal homem toma conta do espaço que pertence à Flaviana como se fosse seu, dominando-o. Os planos iniciais do curta já exprimem a ideia da masculinidade tóxica, um curto-circuito acontecendo no local onde o membro fálico se tornou o ponto central. Flaviana manda o homem ir embora e ele se recusa, o que a coloca em um lugar de inferioridade, mesmo estando em sua própria casa.

A saturação da fotografia extremamente vermelha invoca um clima de atenção, mas também de sonho, assim como a luz piscando a todo momento, ligada diretamente ao psicológico da protagonista. A misericórdia e o perdão são interligados ao sentimento de culpa, e apenas seres divinos e celestiais poderiam concedê-los. Porém, deus não está ligando para a culpa de Flaviana no momento atual; na verdade, deus está mais interessada – deus é mulher – em aparecer no filme.

Esta exposição da linguagem fílmica se faz presente em dois momentos diferentes: no primeiro, há uma percepção do espectador de que o que acontece ali é uma ficção; no segundo, até a não-ficção se torna fictícia. O recurso metalinguístico é usado também como limpeza: o fazer artístico purifica. Um filme, dentro de um filme, dentro de um filme, um vortex metalinguístico com diversas camadas, onde os atores, diretores e equipe conseguem purificar a alma fazendo arte.

Sabrina bebe do Auto da Compadecida colocando o bem e o mal lado a lado no julgamento do carnaval de Flaviana. Com uma dose de comédia, a trama carnavalesca invade os espectadores e, ao invés de culpa, somos compelidos a viver o que Flaviana está vivendo, frente a frente a seus demônios, anjos e deuses.

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