MINHA ÚNICA TERRA É NA LUA

Os “eus” que interpretamos

Uma atriz (Gilda Nomacce) interpreta Sergio Silva, o diretor. Mas, às vezes, o diretor interpreta ele mesmo. E, assim, respondem para Gabriel as 36 perguntas que fazem com que casais criam uma intimidade a ponto de se apaixonarem. (Sério, se você não sabe dessa matéria, pesquisa aí. Inclusive tem um casal que está casado e que se conheceu fazendo o teste com essas 36 perguntas.)

O filme, “Minha Única Terra É na Lua”, exibido na Mostra Brasil 1, poderia ser um flerte com “Jogo de Cena”, de Eduardo Coutinho, no qual se mistura a atuação com relatos reais. Mas, aqui, fala-se de paixão; quando estamos apaixonados, nós mesmo não interpretamos outros “eus”?

O corretor automático me impede de escrever eu no plural, ele me acusa com aquela linha estranha vermelha embaixo da (não) palavra. A sintaxe não me permite. Mas a linguagem cinematográfica permite mostrar esse recorte que a obra retrata. Aquele momento em que estamos nos apaixonando, então começamos a despertar pontos da nossa personalidade que ficam adormecidos enquanto estamos sozinhos; quando estamos numa relação, a pluralidade da nossa subjetividade aflora. Quase como uma máscara feita da nossa própria matéria para parecermos mais interessante, ou algo do tipo.

Essa obra traz um voyeurismo seco. O cinema permite. E Sergio Silva explora isso. Nós vemos um casal se apaixonando e é prazerosa essa sequência. Instiga, o que torna tão real cada um desses personagens. Eu gostaria de me sentar na frente do Gabriel e do Sergio 1 e 2, e fazer 36 perguntas para eles.

Entretanto, carrego uma dúvida: por que uma atriz foi escolhida para fazer o papel de um homem? É um estímulo para levantar questões de gênero, ou representatividade, ou simplesmente porque a atriz é espetacular? Não sei.

Qualquer tentativa de destrinchar uma obra é inválida, até porque o processo criativo é atravessado por questões que nem mesmo o realizador teve intenções de tocar. Mas o dispositivo do filme me suspendeu em tantos sentimentos.

Sergio diz pra Gabriel que ele tem um espírito aventureiro. Gabriel tem um espírito aventureiro porque topou aceitar isso. Topou se sentar na frente de um desconhecido com a predisposição de se apaixonarem. Mas, afinal, ele foi aventureiro quando disse “ok, eu aceito fazer essa perguntas” ou quando ele simplesmente deixou a paixão entrar? E as lágrimas desse final…

(Cauê Vinicius)

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