NÃO HÁ MAIS QUEM GRITE GOL! – Estrelas do Deserto (Chile), de Katherina Harder
por Gustavo Furtuoso
Não há gramado verde ou traves de futebol. Mas quando a bola marca um gol, as crianças que ainda restam vibram todas juntas
Na paisagem seca do deserto do Atacama, ao norte do Chile, filhos de moradores de um vilarejo são o último suspiro de vida numa terra prestes a ser esquecida, abandonada. O jovem Antay, por volta dos dez anos de idade, vive a angústia de perder seus amigos e companheiros de time, um a um, resultado da recusa de seus pais a continuarem vivendo numa região afetada pela seca.
O uso do futebol como metáfora para o engajamento social e político no vilarejo é rico pois, para além de ser um tema comum e popular em toda América Latina, é um esporte essencialmente coletivo, que exige uma coesão e sintonia entre seus jogadores. Sintonia essa que passa a deixar de existir entre os pais dessas crianças diante do abandono e da falta de recursos destinados a uma melhora na infraestrutura e, principalmente, no abastecimento de água da região. O descaso das autoridades com aquelas famílias acaba por provocar sua desmobilização, e o desmonte de uma resistência que lutava por sua permanência no local ao qual pertenciam.
Por mais que seja o dilema mais pungente no filme, todas as discussões políticas acontecem em segundo plano. São apenas cenário da vida de um garoto que passa a temer a solidão e a vivenciar o sentimento de perda, de desencontro. A situação toda é reflexo para um destino injusto das gerações mais jovens, que apenas têm que lidar com as consequências das decisões tomadas por adultos que vieram antes. Embora as crianças consigam se articular para comprar uma nova bola, por exemplo, são esforços que só podem remediar o problema do time, não solucioná-lo.
Quando uma terra é abandonada, as pessoas também desaparecem. Seus antepassados, suas tradições, suas referências. A memória se torna difusa, rarefeita. Como a imagem dos amigos de Antay que, numa partida simbólica, simplesmente desaparecem em pleno ar, diante de seus olhos. Tornam-se lembrança, miragem, saudade.
Sem futebol, resta a poeira e o calor do deserto.