O RISCO DE MORRER NÃO É MAIOR DO QUE SER QUEM SE ÉWarsha, de Dania Bdeir

por Lohan Lage

Warsha, da diretora Dania Bdeir, desfia-se em 15 minutos de louvor à liberdade. Mais do que isso, é um filme sobre como acessar a liberdade. Ser livre requer estratégia. Requer coragem. Não se é livre espontaneamente, embora essa ideia seja mais condizente com o conceito. Nesta produção franco-libanesa, o personagem Mohammad (Khansa) ilustra brilhantemente essa tese.

Mohammad é um operário envolvido em uma grandiosa obra urbana. Nesta construção, há uma temida grua, “A Besta”, que já vitimou mais de um par de operadores devido às más condições de segurança e, claro, ao perigo natural que um trabalho como esse oferece. Não há quem comande a Besta, e a obra precisa continuar. Eis que Mohammad se candidata a esta empreitada quase suicida, apesar da pouca experiência com o maquinário. E lá do alto do arranha-céu, o libanês encara a fera num misto de desejo ardente e medo. O olhar arregalado do homem reluz a adrenalina. É Teseu versus o Minotauro. Davi contra Golias. É um homem vislumbrando a possibilidade de, literalmente, mergulhar céu adentro e alcançar a glória eterna. Eterna enquanto durar, parafraseando Vinicius de Moraes.

E o que é um gigante metálico enfiado entre as nuvens perante uma sociedade tão baixa, que ao rés do chão apequena-se em mesquinharias, preconceitos, aprisionamentos, hostilidades. É no chão que alguém, do alto, nos manipula. É no chão que plantamos nossas esperanças e colhemos medo, violência. No chão duro de uma metrópole, no asfalto donde a flor drummondiana sequer ousa dar as caras, ou não seria as pétalas, de tanto que é o sufoco antes mesmo de brotar. Mohammad assume o risco de morrer para viver. Porque viver é ser quem de fato se é. Mohammad abre mão do risco de não viver. O risco de morrer brilha em seu olhar. Está tudo ali, naquele olhar de Mohammad. Naquele cigarro tragado, nos trejeitos que emulam a liberdade.

Veio à mente uma canção de Caetano Veloso, de seu álbum clássico Transa, em que ele diz: “eu já vivo aqui cansado de viver aqui na terra, minha mãe eu vou pra lua, eu mais minha mulher; minha mãe eu vou pra lua e seja o que Deus quiser”. Na canção Triste Bahia, Caetano transcreve o pensamento de Mohammad. De fato, ele leva consigo sua mulher – sua pessoa idolatrada, sua referência artística, de autenticidade. E lá do alto Mohammad pode se jogar sem se espatifar no chão. A fotografia belíssima potencializa o éon daqueles poucos minutos, com um dos mais poéticos pores-do-sol que já assisti na tela. A sensibilidade da direção é ímpar ao saber intercalar o auge do ser liberto com seu retorno à rotina de clausura da alma.

Pra fechar, outra canção da transa caetânica: “I’m alive, and I know that one day I must die; I’m alive and vivo muito vivo, vivo, vivo”. A poesia na tela que transborda o estar vivo enquanto se pode. O estar nas alturas, no sobreviver vivendo. Com a bênção dos céus.

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