Roda mundo, roda gigante
Ao se utilizar da Arqueologia para problematizar o despejo dos vários moradores das favelas brasileiras (e, porque não, mundiais) destruídas pela especulação imobiliária, A Máquina da Ruína (The Ruin Machine) procura realizar uma arqueologia do presente. Ao projetar um olhar que se quer deslocado temporalmente, o filme procura nos instigar a tomar agora atitudes que o fluxo ininterrupto do tempo não nos permitiria em nenhum outro momento histórico.
O curta-metragem de Bruno Vianna inicia-se com uma breve introdução a respeito da função da arqueologia, dizendo-nos que “o método arqueológico pode ser aplicado a qualquer coisa”, já que seu intuito é o de permitir compreender os modos de vida e de estar no mundo dos vários indivíduos sobre os quais se aplica.
Juntamente ao som das diversas falas e informações em off, nos são apresentadas imagens de indivíduos os quais deduzimos ser arqueólogos. Estas imagens nos chegam saturadas e truncadas em seu transcorrer inconstante, borrando seus contornos conforme se movem lentamente. Vemos ali estampados os traços deixados por aqueles homens e mulheres ao longo do tempo que habitaram a tela.
Toda esta construção fílmica parece caminhar rumo a uma evidente crítica à ação do capital escondido sob a égide do “progresso” e do “desenvolvimento”. Passamos a ver imagens documentais da bruta remoção e destruição de comunidades periféricas. Assistimos àquilo que o filme formula como um futuro sítio arqueológico, ouvimos um morador revoltado gritando aos tratores que aquilo ali destruído não são apenas casas, mas também vidas e histórias de seus moradores.
Temos então contrapostos dois momentos discursivos, um que pretende nos instigar a olhar para o passado e revirarmos suas ruínas à procura de uma maior compreensão histórico-social, e outro que nos coloca ao lado dos moradores expulsos, próximos de sua dor e revolta. Estes movimentos acabam por perigosamente aproximar e associar duas forças: uma delas inevitável à ação do tempo e das catástrofes naturais – como no momento em que um dos estudiosos nos lembra a erupção do Vesúvio que destruiu Pompeia – e outra inerente à expansão destruidora do capital, que se desenvolve às custas da obliteração daquilo que lhe impõe resistência.
O filme parece criticar o ataque sistemático às populações pobres através de uma delicada abordagem da ação destrutiva do “progresso” sob o olhar arqueológico: tanto a natureza quanto os homens destroem, cabe detectarmos a razão, a necessidade e a justiça de tais impulsos para que possamos tomar diante deles a mais correta atitude.
Para um filme que lida com arqueologia, talvez A Máquina da Ruína pudesse ir mais a fundo na problematização desta força que destrói favelas e gentrifica cidades mundo afora: somos apresentados aos efeitos e não às causas. Apesar de interessante este seu ímpeto por lançar um olhar histórico sobre um presente tão comumente desenraizado e alienado frente aos seus alicerces político-ideológicos, suas pesquisas como filme que intenta ir além do senso comum parecem se dar ainda muito superficial e timidamente. O que alimenta A Máquina da Ruína?
Bruno Marra