Action Painting: a transa de Pollock

action painting

Raphael B. Gomes –

Um filme que não seria incomum encontrar em um museu, dentro de uma exposição, está na grande tela de cinema. Fato que não é digno de tanto alarde, já que em um festival de curtas metragens tem-se espaço para todo tipo de experimentação. Sem juízo de valores ou busca de significados, Action Painting Nº1/Nº2 traz um interesse digno de ser analisado, ou melhor, a reação causada por sua exibição traz um interesse digno de ser analisado.

Em uma sessão em que já estava acordado, entre os espectadores, o aplauso como forma de reverência para cada fim de obra. Por que um filme como este não merece essa reverência? O que o diferencia tanto para que aquela microssociedade tirasse um valor de igualdade dele?
O curta aborda as artes plásticas de uma maneira explicitamente sutil. Explícito na forma, já que tem corpos nus e sexo, isso choca (nem tanto assim). Sútil no conteúdo, pois, aparentemente, traz uma forte influência do expressionismo abstrato.

Esqueçamos o nome, que remete diretamente a uma obra de arte. Olhando agora apenas para o produto audiovisual, o que sobra? Poucos minutos, único enquadramento, ausência de áudio, uma sequência de cortes, sexo entre um casal heterossexual – com toques de BDSM. À grosso modo é isso, mas não é só isso. O que muita obra de arte tem que este trabalho também tem é o fato de poder prender o espectador, que se deixa ser prendido. É uma espécie de troca, que tem de ser feita para poder dar certo, para conseguir que o filme chegue a quem assista – e consiga assim contemplar a projeção com seu devido valor à obra.

Reiterando, um ponto importante é: curta metragem explora um universo que, a princípio, é muito mais livre que o longa, uma série ou uma novela. Pensando no campo da experimentação. Ao entrar em uma sala de cinema de rua, com uma programação de curtas, dentro de um festival (tem coisa mais alternativa que isso? Provável) espera-se ao menos, mente aberta. Esperar apenas o velho feijão com arroz é uma problemática que poderia estar longe do universo do cinema. Ao passar pela cortina preta (no caso do CineSesc) seria mais interessante deixar do lado de fora o pensamento “o que espero ver” e manter aberta a oportunidade de desfrutar de uma experiência audiovisual, tendo ela um enredo ou não.

Action Painting Nº1 / Nº2 está na Mostra Brasil 9. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2015

Janelas sem paisagens: sobre o cinema universitário

janelas

por Giovanni Rizzo –

Sempre é muito interessante para um estudante de cinema como eu acompanhar a mostra Cinema em Curso dentro do festival, ver o que jovens pensam e fazem do cinema. No programa 1, porém, penso que o resultado não foi dos mais satisfatórios e parto do filme Janelas para exemplificar o que concluí daquele conjunto de curtas e do cinema universitário ali representado.

Janelas é um curta-metragem experimental, no qual o protagonista, Marcello, comunica-se com o mundo através de sua janela. Todavia, quando ela apresenta um defeito desta fica sem saber o que fazer de sua vida. A metáfora é a mais clara possível e também opera apenas no plano superficial da obra: aqui o principal é mostrar toda sua “experimentação”. Embalado por uma trilha sonora constituída de Giuseppe Verdi, a voz do Google tradutor e Jorge Ben, a película de Raphael Calheiros está mais preocupada em mostrar seus exageros com a fotografia, utilizando uma iluminação verde e vermelha, um ritmo até certo ponto incomum, onde o eixo está sempre sendo quebrado, e uma direção que a todo instante tenta romper com o tradicional e o esperado.

E se coloco experimentação entre aspas é porque não se vê nada de novo neste curta. Pode-se encontrar este estilo de fotografia, edição e direção em um filme quase nada experimental, mas sim videoclípitico dos anos 90: Assassinos por Natureza, de Oliver Stone. Contudo, no longa americano as cores estranhas da luz e o estilo da mise-en-scène refletiam os sentimentos e anseios dos personagens; aqui, nem isso.

Janelas é um filme que de certa forma fetichiza sua técnica, o fim está nele mesmo e em todos os seus recursos gráficos e estéticos, e em nenhum momento leva em consideração a relação da obra com seu espectador, não esclarecendo as possíveis ideias que esses recursos poderiam conter. Dessa maneira, o filme encerra-se no seu próprio prazer em experimentar – uma masturbação técnica –, fechando-se em si apenas pelo prazer próprio.

De que adianta uma radicalização formal, ainda que tecnicamente correta, sem um embasamento teórico, e talvez aqui seja um dos grandes problemas. O filme não tem um conteúdo que sustente suas extravagâncias formais. A metáfora do mundo com uma experiência mediada é atual e necessária, mas mal abordada, pois o curta trata seu conteúdo com superficialidade: não inclui novos pontos na discussão e tece uma metáfora simples e de fácil compreensão, que se esgota rapidamente.

Aqui poderíamos falar dos demais filmes do Cinema em Curso 1: Look Fashion Filme, Banzo ou Debaixo das Cerejeiras: todos dizem muito pouco, não são filmes que o espectador sai instigado a respeito dos questionamentos levantados na sala de cinema, ainda que possa ficar espantado com a qualidade técnica dos filmes universitários. Mas será mesmo que isso basta?

E verdade seja dita, há um intrigante curta no programa: Pequeno Objeto A, mas de vez em quando deve-se escancarar o que não funciona tão bem, para que essa produção seja discutida e sempre melhorada, já que o cinema em curso é uma amostra do futuro do audiovisual brasileiro. O que parece é que nas escolas de cinema, principalmente em São Paulo (digo isso pois faço parte de uma), há várias câmeras nas mãos dos novatos diretores, mas poucas ideias na cabeça.

Janelas está na mostra Cinema em Curso 1. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2015

Raros sonhos flutuantes

memoria da memoria

Na sessão do Cinema de Desbunde 2, em meio a vídeos contestadores e cheios de ferocidade, “Memória da Memória” de Paula Gaitán acaba roubando a cena, não apenas por ser um trabalho recente, mas por ser extremamente pessoal.

O curta é uma colagem – tanto de imagens quanto de materiais, que vão do Super-8 ao digital – feita a partir do acervo da própria diretora, que possui um vasto material coletado desde a juventude. Aqui, as ingênuas filmagens em Super-8 vão além do caráter experimental visto nas outras obras exibidas na mesma sessão. Elas resgatam também a aura dos vídeos caseiros da época, outro fator intrínseco a esse formato.

A jovem Paula explora, experimenta, observa e articula não apenas o mundo que a cerca, mas seus próprios movimentos. Aqui, como explica a cineasta, a câmera é uma extensão do corpo e o processo, portanto, é muito mais visceral e intuitivo do que racional. Eventos familiares, lugares e até mesmo o próprio corpo são registrados com olhar de um curioso estrangeiro que não consegue esconder o seu fascínio por cada detalhe daquele universo tão novo.

Em alguns momentos, a delicadeza e espontaneidade das imagens nos remete ao cinema de Naomi Kawase, que mesmo documental consegue ser onírico. A escolha da trilha sonora é impecável e atinge o seu auge ao colocar um clássico esquecido da banda Sonic Youth para acompanhar esse desfile de lembranças. Por vezes, a música dá lugar a comentários dos amigos de Gaitán que, de forma descontraída, aumentam ainda mais a sensação de intimidade que se estabelece entre público e obra.

Paula confessa que fez o filme com o único objetivo de se divertir, uma espécie de terapia para se libertar das pressões que seus projetos atuais estavam lhe causando e fazer esse cinema mais natural, mais inerente, que o cineasta faz o tempo todo. “Nós estamos sempre registrando”, diz a diretora. Esse frescor no modo de se fazer cinema acaba sendo terapêutico também para o espectador, que embarca na narrativa difusa e sentimental para no fim da jornada encontrar reflexões muito acuradas. Nas memórias de Paula existem lugares comuns à memória de cada um de nós, que, cúmplices passivos, passamos a completar as lacunas com nossas próprias lembranças. A memória da memória.

Assistir ao curta de Gaitán é como revisitar um sonho belo que você não lembrava de ter tido. É ao mesmo tempo surpreendente e familiar, como a relação que aquela adolescente tinha com sua câmera Super-8. O filme se encerra com a imagem de Paula atualmente, na sua plácida maturidade, observando o horizonte, como que estabelecendo um diálogo com a jovem Paula, do outro lado, mas ainda parte dela. E naquele frame reside a sensação de que as duas finalizam um projeto secreto, mesmo que inconsciente, que se iniciou tempos atrás e se concluiu no momento perfeito.

Henrique Rodrigues Marques

Memória da Memória está na Mostra Cinema do Desbunde 2. Clique aqui e veja as próximas sessões do filme no Festival de Curtas 2013