Isto não é um filme de cowboy

À primeira vista, Cowboy, de Tarcisio Lara Puiati, é um registro de um personagem. Mas as aparências enganam e, aos poucos, aquilo que parecia ser verdadeiro é colocado em xeque. Em Homem-bomba (2009), por exemplo, sobre dois meninos que tentam sobreviver ao tráfico, o diretor abordava sutilmente a tênue fronteira entre o real e o não-real no desfecho. Em seu mais novo curta, o realizador mergulha de vez nesse universo.

No início, o espectador acompanha um personagem que se apresenta, em voz off, como um homem comum que, por vingança, torna-se matador profissional. Poucos minutos depois, ele conta outra versão da sua história. E depois outra. E outra. E assim por diante. Enquanto o texto narrado muda, as imagens do mesmo homem montado em sua bicicleta continuam em um plano-sequência.

O diretor confronta o espectador com essas diversas narrativas, sem deixar claro o que é ou não é real. O artifício é simples, mas a questão levantada pode ser ainda maior, na medida em que o curta pode ser compreendido como uma forma híbrida entre o documental e o ficcional.

Por um lado, as versões apresentadas pelo protagonista podem não ser necessariamente reais, mas ficções. Por outro, a história de Cowboy poderia, sim, ser verdadeira; ao ser recontada, explora-se a semelhança dela com a de outros tantos cowboys no mundo. Outra ainda: qualquer uma daquelas vidas poderia ser a dele.

Nesse sentido, o documentário deve somente expor as ações registradas com a tradicional presença do narrador? Deve alinhar-se com o que ficou conhecido como “cinema verdade”, a partir da concepção de Dziga Vertov de que a câmera capta a essência do real? Ou deve apenas sugerir visões de mundo, uma vez que é uma construção subjetiva de quem está por trás das lentes, como os filmes de Jean Rouch ou Eduardo Coutinho evidenciam?

À parte disso, Cowboy tem o mérito de mostrar um olhar sobre o norte do país. Finalmente, e para dar ainda mais sabor ao debate metalinguístico, há todo um mistério no lusco-fusco do entardecer parintinense e no título, que também aparenta ser aquilo que não é. Um filme de cowboy.

Camila Fink

Cowboy está na Mostra Brasil 7. Clique aqui para ver a programação do filme

A história não importa

Cowboy é um daqueles curtas que logo de cara você já sabe o que está por vir, mas não, não é nada daquilo que você está pensando. O filme surpreende no segundo ato, quando percebemos toda a complexidade da história.

O documentário de Tarcisio Lara Puiati traz uma mensagem além das histórias e das imagens. Subjetivamente, estão descritos todos os preconceitos que temos com as pessoas que possuem alguma deficiência física.

Cowboy é um sujeito que não possui um braço. Ao acompanhar o personagem pela cidade, vamos escutando as histórias, que não sabemos se são reais ou fictícias. Mas, por trás de cada uma delas, está toda a intenção do diretor em nos mostrar que, para apreciarmos plenamente o curta, não importa qual delas é a verdadeira. Todas trazem a mesma mensagem, porém de um ponto de vista diferente.

Muitos dos curtas produzidos atualmente caem na obviedade, porém, em Cowboy o diretor usou uma forma incomum para nos trazer uma reflexão sobre um tema que já foi muito utilizado; não fosse pela precisão de Tarcisio, seria muito fácil cair no clichê. Ótimo filme que merece ser apreciado.

Rodrigo Ferro

Cowboy está na “Mostra Brasil 7”. Clique aqui para ver a programação do filme