A CANÇÃO DO ASFALTO

Você pode sentir falta em seus sonhos

O curta paranaense “A Canção Do Asfalto”, de Pedro Giongo, exibido na Mostra Brasil 3, conta a história de Chen, um jovem chinês que acaba de mudar-se para o Brasil, a fim de tentar a vida, assim como muitos outros. Chen mora com seu tio, e o ajuda vendendo pastéis em seu boteco. “A Canção do Asfalto” debate o tema da imigração sem nenhuma maciez, principalmente por tratar a dureza da mudança bruta com tamanha aceitação e normalidade.

Chen muitas vezes se perde no movimento da rua, e seu tio o vê como folgado, preguiçoso. Ficamos compadecidos por Chen, e compadecidos por seu tio, também. Pois, provavelmente, tudo o que Chen passa gerações e gerações de famílias chinesas já passaram, de maneira muito mais dura, com uma possibilidade muito mais debilitada de comunicação com a vida que é deixada para trás. “A Canção do Asfalto”, então, pincela sutilmente a questão geracional da família oriental.

O momento que Chen tem para si é durante a noite, quando pega sua bicicleta e percorre as ruas. Talvez uma das únicas atividades em comum com a China. Em um momento, lhe é perguntado; você sente falta da China? O trabalho não me deixa sentir falta. Você pode sentir falta em seus sonhos.

Podemos dizer que a canção que vem do asfalto é como a falta que a China faz nos sonhos de Chen. Seus momentos de liberdade dentro de uma vida de prisão. Aprisionado num lugar fora de sua escolha, aprisionado numa língua que desconhece, aprisionado num país em que a economia está em crise, num momento em que se deve fazer a vida.

Percebemos o desconforto de Chen em relação a seu futuro no momento em que encontra com um amigo na calçada e conversam sobre um colega em comum, que está se saindo bem. Chen não demonstra nenhum interesse em vê-lo ou saber como está. A pergunta que fica: é por medo de não ter sucesso como seus amigos, ou por medo de ter? Por vezes, ter sucesso significaria não voltar.

É a essa dureza que me refiro quando escrevo que “A Canção do Asfalto” não amacia a nenhum segundo.

E é justo que não amacie, como faz o longa argentino “O Futuro Perfeito”, da alemã Nele Wohlatz, que conta a história de Xiaobin, uma jovem chinesa de 17 anos que se muda para a Argentina sem saber uma palavra de espanhol. O filme começa com frases absurdas que Xiaobin deve aprender, uma constante repetição sem sentido aparente, até entendermos que ela está numa aula de espanhol. Ambos filmes nos fazem refletir sobre como seria deixar tudo para trás, e cair num novo mundo, numa nova língua, com costumes e maneiras tão diferentes.

Perdido aqui, neste novo mundo, Chen se perde entre os milhares de passantes nas calçadas. A cidade o engole e, sem a possibilidade de gritar para alguém que o entenda, saímos do filme com a impressão de que, além do asfalto, somos os únicos confidentes possíveis para angústia de Chen.

(Louise Belmonte)

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