A PASSAGEM DO COMETA

Destinos incertos

O novo trabalho de Juliana Rojas, exibido na Mostra Brasil 7, traz discussões atuais e instigantes, de forma bem realizada. A obra é delicadamente construída, conseguindo evocar o ar de nostalgia dos anos 1980 e 1990, mas também com um clima de mistério, que vai se desenvolvendo aos poucos com o decorrer da narrativa.

Uma mulher chega de repente em algo que parece ser um consultório. A pessoa que a atende pergunta se ela trouxe o dinheiro e, secamente, diz que ela só poderá ser atendida se sua amiga vier. E assim é construído “A Passagem do Cometa”, um filme sobre prioridades; temos uma pessoa em estado crítico, mas o que mais importa é um astro que só poderá ser visto novamente a partir da Terra muitas décadas depois. Com isso, o curta consegue discretamente dar um tapa na cara de quem assiste, sendo indiretamente agressivo, ao mostrar como nos importamos menos com o que “deveria” ser a maior prioridade: a vida.

Muitas vezes lembrando o trabalho anterior de Juliana, o longa “Sinfonia da Necrópole”, o curta tem ironias e devaneios rodeando a narrativa, saindo do ar fúnebre e de comédia negra do musical para um drama neon com tons policiais, que inclusive traz uma música composta especialmente para o filme. O suspense foi construído de forma a sempre instigar o espectador; nunca se sabe, objetivamente, o que vai acontecer, sempre fica um pensar sobre o que virá.

A atuação da protagonista consegue abrir um diálogo com espectador, e compartilhar seu medo e receio diante do que está por vir. Durante 20 minutos, fica-se esperando e esperando. Por meio das lindas cores trabalhadas pela fotografia e direção de arte, somos envolvidos pela história de uma personagem que, receosamente, nos conduz por seu incerto destino.

Ao fim, fica-se igual à protagonista quando ela fala de si: “falta alguma coisa”. Após termos passado pela experiência, entranham-se as dúvidas, medos e o compartilhar de sentimentos sobre a questão retratada na obra. Novamente nos questionamos sobre de quem é a decisão do fazer ou não o processo: da mulher, da sociedade ou do médico? Ao final, chega outra mulher sangrando no consultório, e tudo é tratado com a maior calmaria. Nesse momento, relembro uma frase que vi outro dia no Facebook: “se homem engravidasse, o aborto poderia ser feito até em caixa eletrônico”. Juliana propõe por um curta, de forma poética e misteriosa, uma discussão sobre o rumo desse tema tão emergencial na sociedade atual, misógina e machista.

(Guilherme Franco)

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