GREAT MUY BIEN

O imperialismo cotidiano e neutro

Exibido na Mostra Latino-Americana 3, “Great Muy Bien” explora, com seu naturalismo cinematográfico oriundo de uma linguagem documental, as relações

implícitas exercidas pelo imperialismo estadunidense em Cuba, explanando uma ótica universal sobre sua narrativa cotidiana.

Estudantes de meia-idade em uma escola de inglês na região de Havana, em Cuba, aprendem inglês e relatam qual a importância do idioma para suas vidas, influindo na construção de seus futuros. Muitos procuram aprender a língua pois desejam viajar, se comunicar com estrangeiros, entender melhor o texto da bíblia em inglês etc. Porém, o que se esconde no conteúdo de uma narrativa rotineira é uma das tarefas ideológicas do imperialismo, ou seja: ele é responsável por construir a imagem do “american way of life” enquanto algo reluzente e atraente, por mais que não façamos ideia, na realidade concreta, de como seja.

Os objetivos principais dos estudantes consistem em viajar para estados e países norte-americanos, como uma das alunas que buscou as aulas apenas para realizar o sonho de conhecer Las Vegas. A idealização construída sobre os desejos de viagem, que se enquadram justamente em visitar países estadunidenses, embora o idioma não esteja engessado apenas no país, representa a formação da figura dos Estados Unidos como unicidade centrada tanto na língua quanto no deslocamento inicial de desejos e modelos primordiais de vida.

Se fizermos um paralelo com o longa-metragem “A Jaula de Ouro”, drama de 2013 dirigido por Diego Quemada-Diez, que narra a jornada de três jovens guatemalos, sendo um deles indígena, que aspiram a uma vida melhor e tentam chegar nos Estados Unidos, conseguimos tangenciar a construção cinematográfica em cima do idealismo construído sobre a “terra das oportunidades”.

Embora o longa citado seja um drama árduo, que mostra as dificuldades de emigrar para o país desejado, enfrentando a violência das fronteiras e as lutas diárias por sobrevivência para, enfim, se enjaular no objeto de desejo e descobrir que suas possibilidades atraentes são, na realidade, um chamariz repleto de frustrações, o curta-metragem “Great Muy Bien” consegue abordar uma rotineira escola de inglês na Havana que enfrenta o mesmo princípio.

De modo naturalista, sem picos de emoção ou aprofundamento nas personagens, o curta reflete sobre um dos tentáculos imperialistas mais cotidianos e naturalizados. Todos aspiram ao molde de vida norte-americano, seja ele uma simples viagem ou a necessidade latente de aprender inglês. A estrutura de idealização é universal e amplamente reproduzida em qualquer nicho social.

Sheyla Pool Pástor, que dirige o filme, reflete nos créditos finais sobre o crescimento de escolas de inglês em Cuba desde 2015; elas preparam seus

alunos para um futuro em que as relações entre o país e os Estados Unidos estejam normalizadas.

Mesmo Cuba passando por um longo período de regime socialista e sendo um dos principais alvos dos Estados Unidos, o filme reflete sobre a relação cada vez mais estreita entre os dois. Se antes tal relação era por oposição ideológica e política, hoje tal convivência se aproxima através dos braços imperialistas. A escola periférica Big Ben nos apresenta o cotidiano sem pedantismos ou enfeites em cima da vida de seus alunos.

Porém, o filme converte tais personagens em figuras universais afetadas pela popularização do discurso que constrói o idealismo acerca dos Estados Unidos. Não são apenas alunos de uma escola de inglês que desejam conhecer Las Vegas, mas sim toda uma população mundial que coloca a América do Norte no topo da sua lista de interesses.

(Gabriel Faustino)

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