CAMINHO DE SEMPRE
Na escuridão
Eu penso
a face fraca do poema/ a metade na página
partida
Mas calo a face dura
flor apagada no sonho
Eu penso
a dor visível do poema/
a luz prévia
dividida
Mas calo a superfície negra
pânico iminente do nada
Esse é um poema da Ana Cristina Cesar. E eu quero fazer um breve diálogo entre essa obra e o curta “Caminho de Sempre”, exibido na sessão Oficinas Brasil. Pois ambos utilizam o experimentalismo de forma genial. E em ambos a escuridão tem uma relevância especial.
Dirigido por Bruna Vieira e Sarah Corsi, “Caminho de Sempre” começa deixando algo muito claro: a sutileza será revolucionária.
O que mais impacta é que todo o curta trabalha em cima da subjetividade do espectador. E funciona! Você espera que aconteça isso ou aquilo: porque é o comum. Essa é a realidade que vivemos.
E não é trabalhada só a subjetividade do espectador. Mas a da personagem também. A protagonista sofre com o medo. E você vê.
O filme vira um portal para um série de questões que, na verdade, nem deveriam existir. Até quando as mulheres não serão tratadas como seres humanos? Como pode ser tolerado o fato de que elas são vítimas, mas tratadas como culpadas? Como pode simplesmente o medo ser uma constância? E pior: como pode tudo isso ser comum?
É inválida qualquer tentativa de esvaziar a desumanização desse pequeno momento, e que é tão ordinário, retratado no curta.
A verdade é que eu, como homem, não sei como é a existência feminina que tem, sim, o medo como um fundamento. O máximo até onde consigo ir é ter empatia, é imaginar. Penso nas vezes que voltei de madrugada pra casa e tive medo de ser assaltado. Mas e viver assim? E o medo de ser vítima da cultura do estupro? Essa é uma dor que eu tenho o privilégio de não sentir . E é tão óbvio que isso não deveria ser um privilégio masculino.
“Caminho de Sempre” é um lembrete de que direitos humanos são direitos de humanos.
Os efeitos sonoros pecam em alguns momentos, trincando a sutileza construída no curta desde o começo, na abertura. Mas a obra não perde efeito. Além da sutileza, é importante ressaltar como o experimentalismo foi usado. Houve uma apropriação da linguagem audiovisual: os movimentos de câmera, o espaço, os planos que foram utilizados.
E existe uma coisa no filme, que são ecos existentes desde o nascimento do cinema. O audiovisual como ferramenta de militância e a luta da arte pela arte, entre uma arte que exige transformações. Talvez essas questões não estejam aqui propositalmente, mas elas atravessam a mensagem política que o filme carrega. E isso é extremamente importante, porque é uma discussão que coloca em pauta “qual o sentido disso tudo?”.
[Graças a Deus] O cinema ocupa um espaço relevante na sociedade. Mas pra que ele serve? Aonde ele nos leva? Esse lugar é um lugar bom mesmo? Cinema é a nova versão do “pão e circo”?
Essa é um arte com um potencial incrível de alienação. No sentido de que você vê Tarzan, mas não percebe que o neocolonialismo está sendo escrachado. Temos que pensar nós mesmos como sociedade e o que produzimos disso, o cinema, por exemplo. E é por isso que escrevo “a sutileza será revolucionária”.
Por fim, essa obra grita um paradoxo: é linda, pois usa o cinema como uma potência para transformar o mundo, e dolorosa, ao mesmo tempo.
(Cauê Vinicius)