COM AMOR, A UM PASSADO QUE NÃO SE REPITA – Entre nós e o mundo, de Fábio Rodrigo (SP)
por Alexandre Ferraz
Entre nós e o mundo (2019), de Fábio Rodrigo, parte de um assunto pesado: a vida de uma mulher negra, grávida, após ter perdido o filho mais velho assassinado pela polícia durante uma revista. Mais do que um drama para a mãe, uma revoltante realidade sistêmica nas periferias do Brasil. Apesar de tudo isso, o tratamento dado pelo diretor ao tema desemboca em esperança, configurando uma sincera homenagem, sem perder a seriedade.
O diretor intercala em seu relato técnicas de documentário e ficção. O filme começa com um grupo de jovens cantando na escada de uma favela, cena filmada de maneira aparentemente bem ensaiada, dando a impressão de se tratar de uma ficção. Em seguida, vemos imagens da comunidade de Vila Ede enquanto ouvimos depoimentos de familiares sobre o assassinato do menino Theylor pela polícia. É aos poucos que o filme se assume mais como um documentário, ainda que não deixe de lado mecanismos típicos de um cinema ficcional, como uma postura às vezes encenada dos integrantes da história.
Tal linguagem não é novidade no trabalho do diretor, que aplicou essa ficcionalização do documental de forma até mais atuada em seu curta de estreia, Lúcida (2015), que discorre sobre a ausência da paternidade e os sofrimentos de uma mãe solteira na periferia. Nos dois trabalhos, Fábio traz o familiar e o pessoal para a tela. Em Entre nós e o mundo, notamos que a história em foco é a de sua prima, Erika, ao ouvirmos áudios de whatsapp trocados pelos dois enquanto vemos imagens de arquivo pessoal. Neste momento, o diretor explicita seu método de pesquisa, o que passa a impressão que o filme foi tomando forma enquanto era feito. Essa presença mostra a coragem do diretor e principalmente de Erika ao exporem seus íntimos para contar suas histórias.
No entanto, ao contrário de seu primeiro filme, o diretor traz aqui uma abordagem mais delicada sobre um tema real. É bem verdade que, ao descobrirmos o acontecimento, sente-se um peso e uma imensa tristeza. E há ainda a preocupação da mãe com a segurança de seu outro filho jovem. Mas o filme em si situa-se após os primeiros estágios de um luto e foca na atitude da mãe em deixar as recordações terríveis para trás e seguir vislumbrando o que há por vir – postura revelada pelo foco na gravidez e no nascimento de sua filha.
Fábio concretiza sua visão voltada a seguir em frente com uma sequência de imagens de crianças convivendo nas ruas da favela, ruas estas anteriormente vazias. Quem sabe algumas dessas crianças vão conseguir concretizar seus sonhos, diferente dos mais velhos. Quem sabe as ruas da favela serão ocupadas por seus moradores livremente, e não por uma violência racista e opressora. A trilha musical de fundo explicita a postura de Fábio e Erika de enxugar as lágrimas, lembrar as boas recordações e continuar, por mais melancólico que isso possa ser no início. É assim que o diretor conclui sua homenagem a todos os Theylors presentes por aí, com a esperança de que os mais jovens possam ter outros desfechos em suas histórias.