CORES E BOTAS

Deslocamento no mundo caucasiano

 

Dirigido por Juliana Vicente, “Cores e Botas” — exibido no programa Mulheres Negras – Identidade Polifônica — fala sobre uma menina negra nos anos 1980 que deseja ser paquita, porém naquela época não existiam paquitas negras.

Logo de início nos damos com o plano das botas brancas de Joana (Jhenyfer Lauren), que estabelece um contraponto com a pele da personagem, enfatizando o assunto de que o filme trata. Apesar de a personagem ser aparentemente de classe média alta, ela e sua família se sentem deslocados ao se depararem com o meio social majoritariamente caucasiano. Isso se evidencia no restaurante a que eles vão quando o filho do casal (Bruno Lourenço) fala: “Parece que vocês não percebem. A gente não é assim”. E também no momento em que o manobrista negro (Regis Donizete da Silva) devolve as chaves para o pai de Joana (Luciano Quirino), criando-se ali uma contradição.

A direção de arte dialoga bem com o contexto visual do filme: a mansão com uma cenografia típica de uma família burguesa, o figurino com cores que conversam bem com os personagens, incluindo as botas de Joana, que também fazem uma ponte com o contexto visual já existente no curta, o de Xuxa e das paquitas, na década de 1980.

O espelho tem a função de criar uma conexão com os pais da personagem (a mãe, Dani Ornellas, e o pai, Luciano Quirino), servindo de reflexão quando ambos vislumbram suas imagens refletidas nele. Nessa sequência, seria como se os personagens se visem ao fundo através do espelho, dando-se enfim conta da infeliz realidade racial.

Quando a protagonista pega uma máquina fotográfica, seu olhar visualiza o objeto, a perspectiva da câmera se torna subjetiva, então, a fotografia em movimento passa a falar por si só. O final confirma a ideia da protagonista, resolver trilhar outros caminhos ao invés de ser paquita, tanto que ela mesma fala de seu interesse repentino pela fotografia.

Existe o contexto étnico-social que aparenta ser tratado de modo sutil, mas é diretamente abordado. Desde a colonização do Brasil, sabemos que o fenótipo europeu reinou na mentalidade dos brasileiros. Foi aperfeiçoada a ideia de uma padronização visual das pessoas no Brasil, sendo até hoje mais realçada a beleza europeia.

Xuxa e as paquitas representam sem sombra de dúvida essa padronização, de acordo com a qual somente o semblante autêntico de europeias era aprovado pelo júri. No filme, isso fica evidente quando Joana gera certa estranheza em relação às outras crianças, pois esse tipo de pensamento racista é incutido em todos desde a formação.

A reflexão que Juliana Vicente nos traz é de que a população negra ainda é minoria no que diz respeito à exposição de suas pautas e na resolução dos problemas que ainda enfrentam na sociedade burguesa, porém essa minoria, reunida, ganha força e empatia das pessoas que abraçam a causa. A história do filme é baseada em parte na trajetória de vida da diretora.

(Vanessa Karina de Oliveira)

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