ESPERANÇA EM FORMA DE CONCRETO – Formas concretas de resistência, de Nick Jordan (Reino Unido)

Por Renato Teixeira de Magalhães

“Trípoli teve sorte de ter esse projeto no coração da cidade, mas o projeto teve o azar de ser em Trípoli”. Com essa frase, o narrador de Formas concretas de resistência nos dita o tom melancólico de sua análise sobre a concepção e o uso do projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer para a Feira Internacional Permanente que seria sediada na cidade de Trípoli, no Líbano. Digo “seria”, pois de fato nunca foi.

O documentário se desenvolve de maneira convencional tecnicamente, podendo facilmente ser enquadrado como expositivo, segundo as definições de Bill Nichols. Mas a falta da experimentação típica do cinema contemporâneo encontra um forte argumento a seu favor: a utilidade. Tal qual o objetivo de uma obra arquitetônica, como defende Niemeyer, de nada serve a plasticidade se não há o uso. Neste caso, o filme, como o projeto da Feira, se tornaria ruína.

Sendo assim, a linha narrativa nos conduz pela história da cidade, contrastando as falas de cunho social de Niemeyer ao real destino de sua obra, inacabada por conta de uma guerra civil, usada como campo de execução e até cogitada a se tornar um centro comercial. Nada do que se imaginou no início se tornou realidade.

A humanidade tem o poder de construir, mas também o de destruir, e em nossa história, nos fizemos valer muito mais da segunda opção. Ainda hoje busca-se impor culturas e estilos de vida, num embate constante de visões de mundo que acaba por nos segmentar e descaracterizar os propósitos de nosso planejamento enquanto nação. O filme, assim, comenta sobre o Líbano, mas está em diálogo frequente com o Brasil.

O edifício representa muito mais do que um simples evento que nunca ocorreu. Trata-se de uma ideia, um plano de sociedade, que celebra a vida, persegue a igualdade e valoriza a humildade, pois tem a consciência de que nós, seres humanos, somos finitos e insignificantes uns sem os outros. É a personificação dos ideais do arquiteto que se chocam constantemente com o momento político do mundo e com seu modo de produção vigente, onde não há espaço para algo além do superficial, onde a arte reside como um mero produto e não como instrumento de mudança.

Dessa forma, a negligência dos governos da cidade para com a construção, o seu abandono e seu isolamento da população, apenas reforçam a intenção de um sucateamento e da divisão dos povos. A arte aqui manifestada pela arquitetura, que poderia unir as diferentes culturas, como a Feira Internacional tinha por objetivo, é descaracterizada e tomada pela guerra, pelo exército, pela violência.

Nesse contexto, o filme celebra a obra de Niemeyer como resistência. Não somente a resistência literal de seu concreto que insiste em se manter de pé, mas aquela de suas ideias num mundo dominado por um discurso de ódio. Ideias que são bombardeadas, sucateadas e negligenciadas, mas que continuam a sobreviver e, assim como o concreto, manterão as esperanças de uma nova organização social, que se aproprie desses espaços para seus reais propósitos.

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