SÃO PAULO NÃO CONTÉM O SEU JÚBILO – A maior massa de granito do mundo, de Luis Felipe Labaki

por Douglas Manolo

Quem passa próximo ao Parque do Ibirapuera e vê um dos maiores monumentos da cidade talvez tenha como primeira impressão o susto diante de sua grandeza, mas poucas talvez sejam aqueles que conseguem assimilar e perceber os ecos de um passado hostil e genocida que aquelas figuras escondem por detrás da homenagem aos bandeirantes. Em A maior massa de granito do mundo, Luis Felipe Labaki consegue restituir o cenário histórico e ideológico desta obra através de uma linguagem densa e brutal, sobretudo pela construção do seu ritmo que oscila tetricamente entre a poética das imagens e um didatismo cru.

Construída pelo artista Victor Brecheret e inaugurada em 1953, a obra foi idealizada como marco para a memória paulistana sobre os princípios de autoridade segundo os ideais da hegemonia colonial cristã. A narrativa perpassa as intenções políticas envolvidas em sua construção e descortina o horror que se estabelece entre a disposição das figuras e a hierarquia social. Mais ainda, recupera pela ótica do cinema o papel que essa escultura deveria suscitar no povo em relação ao passado dos seus ancestrais.

Nesse caminho, o horror é incorporado à própria estética do filme, que desperta angústia  ao aproveitar a emoção pungente das figuras com o dinamismo da montagem e uma trilha sonora asfixiante e refinada de Julia Teles e Sérgio Abdalla. Por esse efeito, o filme parece reconfigurar o sofrimento vivido pela população indígena e quilombola, silenciada pelo granito e alienada da maioria da população até os dias de hoje.

A enunciação firme do narrador reforça a veracidade cruel dessa nacionalidade excludente e se articula por depoimentos reais e registros de época. A fotografia se lança ao cinza das formas e constrói, pela ausência da cor, a invocação de uma memória que embora expositiva não destitui o sensível. Deste modo, a abordagem histórica, tão íntima aos trabalhos de Labaki, se torna indispensável para ressignificar o papel de um patrimônio cultural e do nosso próprio passado do qual a cidade de São Paulo não contém o seu júbilo, como afirma a gravação de Máximo Ribeiro Nunes numa frase ecoante, sem no entanto completar seu real motivo: porque não há.

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