FILME-CATÁSTROFE

É necessário escancarar as janelas

 

Primeiramente, Fora Temer! É com essa frase/protesto que começa uma amizade entre as personagens. É também com ela que o paulista “Filme-Catástrofe”, de Gustavo Vinagre, exibido na Mostra Brasil 3, nos conduz não só pela tragédia pessoal da personagem principal, mas também pelos colapsos políticos, econômicos e sociais do Brasil. Órfãs desse Estado patriarcal, que nega diariamente os direitos da mulher, elas são tudo, menos vítimas. A força para seguir vem delas mesmas, e principalmente da sua capacidade de empatia.

Angélica (Julia Katharine) está escrevendo sobre o papel da mulher na indústria de cinema, ao mesmo tempo em que luta para, como protagonista de seu próprio filme, mudar de vida. Reflexo da sociedade, a indústria do cinema, dominada por homens, cria uma imagem feminina ora doce, ora demoníaca e fatal, mas vista predominantemente como elemento secundário, principalmente em filmes de ação onde ou é namorada do herói, ou elemento de sedução, subordinada a outros homens. Como nos filmes, Angélica terá que cumprir a sua jornada, para ao final, ganhar a si mesma.

Ao trocar a fechadura de sua casa, quer por fim a um relacionamento que, tudo indica, é abusivo. Em um país onde três em cada cinco mulheres já sofreram violência física ou psicológica em seus relacionamentos, e onde as agressões mais graves ocorrem dentro da casa das vítimas, Angélica quer encerrar um ciclo de sofrimento. Para isso, conta com o apoio e os conselhos de Lúcia (Gilda Nomacce), a chaveira que se torna amiga, apoio e força, e também com as palavras da vizinha religiosa (Majeca Angelucci), que relembra a Angélica a importância do amor próprio.

A ambiguidade está presente tanto na personagem Lúcia, que tem um trabalho tipicamente masculino, quanto na aparência física de Angélica e também nas próprias paredes da casa que, mal pintadas, trabalham com o rosa e azul. Essa ambiguidade evita a polarização vítima/feminina, vilão/masculino, e é uma escolha ousada e nada sutil. O filme, inclusive, é pautado pelo over, na cena da tentativa de abertura da maçaneta, em que uma grande ventania simboliza “quando uma porta se fecha, abre-se uma janela”, como diz a amiga.

A música traduz todo o sentimento de Angélica, sua reconstrução pessoal e também a de um país “onde a casa não é minha” e “nem é meu este lugar”. Casa/país que violenta, abusa e manda embora seus habitantes. Talvez seja mesmo tempo de não se ter sutilezas, de “ventar” em casa, no Congresso e na vida. Em tempos tão difíceis, não é possível mais abrir as janelas, é necessário escancará-las.

(Adriana Gaeta Braga)

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