O HORROR COMO RESSIGNIFICAÇÃO DAS BRUTALIDADES HISTÓRICAS – Deserto estrangeiro, de Davi Pretto
por Antonio Victor Cardozo
O quão tênue é a linha entre a ficção e o real? Essa é a discussão levantada por Deserto estrangeiro, filme que integra a mostra especial Terror na Tela: A Grande Noite. Uma coprodução Brasil e Alemanha, o curta acompanha um jovem brasileiro recém-chegado a Berlim, que tem como atribuição de seu novo emprego cuidar de um parque local. Tudo muda quando uma garota desaparece e ele se propõe a procurá-la.
O diretor Davi Pretto, que esteve no festival em 2019 com Princesa morta do Jacuí, vaga aqui por caminhos contemplativos, com uma fotografia que valoriza tanto os planos mais fechados quanto a vastidão das locações, em sequências onde a floresta ou o lago são protagonistas. Mas quem rouba a atenção do filme é Isabél Zuaa (de As boas maneiras), numa interpretação contida, mas potente. Familiarizada com o gênero, Zuaa entra como coadjuvante, ajudando o personagem na procura pela garota desaparecida, mas logo assume o protagonismo.
Como filme de gênero, o diretor opta por construir o horror de forma subjetiva, com uma trilha sonora sutil mas certeira no que se propõe: dar o tom macabro aos acontecimentos históricos que tratam do colonialismo alemão em terras africanas e servem como pano de fundo para o filme. Neste aspecto, o roteiro acerta em não entregar tudo a quem assiste, optando por atiçar a curiosidade do espectador.
Todos os elementos sugerem um clímax brutal e gráfico. Neste quesito, o filme deixa a desejar: por mais que seja interessante não saber de tudo, diante de todo o panorama histórico e social que a personagem de Zuaa nos dá, sentimos a necessidade de ver na tela o que ela nos oferece em seus diálogos: uma história que não deve ser esquecida e que está sendo revivida ali, naquela mata escura, com mortos tendo sede de vingança por seus executores.
Deserto estrangeiro nos mostra que o horror como gênero vem ganhando força por funcionar como uma excelente ferramenta para retratar questões históricas e sociais que não devem ser esquecidas, mas ressignificadas. Abordando colonialismo, domínio e miscigenação, o filme de Pretto vai de encontro a produções contemporâneas dessa vertente social do horror, como os longas A sombra do pai, de Gabriela Amaral Almeida; As boas maneiras, de Marco Dutra e Juliana Rojas; e o curta Egum, de Yuri Costa, também na seleção do Festival de Curtas deste ano.