OS MORTOS-VIVOS – Na praça escura, de Nicholás Schujman (Argentina)

por Demerson Souza

Na Praça Escura é um filme sobre vampiros, mas não aqueles que se criaram nos séculos passados e moram em casarões antigos. Aqui, o enredo foca nos recém-mordidos, e que sofreram a metamorfose antes dos 25 anos.

Mesmo contando com as criaturas da noite, este não é um filme de terror, mas de comédia. É vero que o diretor utiliza elementos fantasmagóricos, porém a própria escolha do protagonista diz muito sobre a história que está por vir. O filme conta uma noite na vida de Hochman, um jovem adulto que foi transformado em vampiro há duas semanas. Ele pratica boxe e sai com garotas do Tinder, mas é ruim nas duas coisas.

Hochman tem um grande amigo, mas o filme não nomeia esse personagem, creditando-o apenas como “Musculoso”. O que nos indica que o corpo dele é o mais importante em sua vida.

O jovem vampiro e seu amigo são pessoas opostas, algo evidenciado pela fotografia, que coloca o corpo dos dois no mesmo plano. Além da diferença física, o amigo se mostra muito melhor no boxe, e também mais ativo na vida, diferente do contido Hochman. O Musculoso se aproveita desse desequilíbrio e é o dominante na amizade. Há também uma tensão sexual entre os dois, que pode ser confundida com o instinto faminto de Hochman, que não para de observar o pescoço do amigo. Só que luxúria e gula se misturam neste caso.

Há também uma vontade no jovem vampiro de se tornar aquilo que o amigo representa, uma antropofagia que casa muito bem com seu novo estilo de vida. Mas Hochman ainda não está pronto para abocanhar o parceiro de boxe, e sua fome deve encontrar outra vítima.

A partir do cardápio humano fornecido pelos aplicativos de pegação, ele conhece Dulcinea e marca um encontro na mesma noite – um imediatismo que só as redes sociais permitem, e que também é perfeito para um vampiro faminto. Os dois se encontram na praça escura e durante a caminhada se deparam com a estátua da Loba Capitolina, aquela que alimenta os bebês. O diretor argentino explora como sugar é essencial para a vida. Sangue e leite: as mesmas coisas, diferentes ingredientes. A figura de bronze atiça a fome de Hochman e também a de Dulcinea, que se revela outra vampira. Uma grande ironia, um morto-vivo se depara com outro. É apenas isso que existe no mundo moderno, criaturas imediatistas que caem na própria arapuca?

O que era um vampiro faminto agora são dois. No entanto, o problema se apazigua quando um pequeno senso de amizade e companheirismo surge entre os dois. Hochman ganha uma colega, tudo o que ele precisava para abocanhar o Musculoso.

Nicolás Schujman dirige, interpreta o protagonista e também assina o roteiro. Sua tripla função é bem-vinda, principalmente no campo da atuação. Os três atores têm química, e conseguem desenhar no curto tempo a personalidade de seus personagens. Eles trazem verdade para a estética estranha do filme. Acreditamos em suas garras e em seus diálogos sobre uma ética vampiresca.

É melancólico pensar como vampiros são criaturas imortais e por isso mesmo vagam sem rumo. A longevidade vem do sofrimento alheio, portanto é impossível criar qualquer forma de vida que seja saudável. Ou melhor, criar qualquer felicidade que não seja efêmera. Por isso mesmo, a superficialidade nas relações humanas parece ser o tema central de Na praça escura.

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