O NOSSO INFAME UPGRADE – Mostra Internacional 1: Viajantes do Apocalipse e 2: Sociedades Esquisitas

por Alexandre Diniz

Os curtas da Mostra Internacional do 31º Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo parecem ter a missão de nos levar a uma reflexão sobre como nós humanos estamos sempre perto da destruição, e é nesse ponto que quero acrescentar uma justificativa ao título da crítica.

Uma seleção bem elaborada com filmes que apresentam uma visão do mundo de diferentes perspectivas, e coloca sob holofote os nossos principais conflitos. Com seis filmes muito impactantes, a sessão Viajantes do Apocalipse é responsável por uma imersão em mundos distópicos onde a esperança não chega a ser nem uma mera alegoria. Já a sessão Sociedades Esquisitas lida com o presente de forma verossímil (ainda que por vezes usando analogias) nos seus cinco filmes exibidos.

Mesmo que por caminhos diferentes, os 11 filmes somados tratam do humano, da identidade, das mazelas causadas pelas ações do homem. E fazem isso com maestria.

Seja em Still working, de Julietta Korbel, ou em Terminal, de Kim Allamand (ambos da Suíça), existe uma atmosfera de saudosismo que indica um impedimento de evolução psicológica, mesmo que o tempo esteja avançando e que os limites do espaço possam ser ultrapassados. Há uma ligação quase impossível de se quebrar com o lugar em que se está, e com as rotinas adotadas. As personagens de ambos os filmes praticamente fazem parte do lugar (ou se tornaram o lugar). O protagonista de Still working já vivera seus momentos de glória, contudo está no seu fim. A solidão dá as suas caras, e a possibilidade de mudanças repentinas gera um incômodo aparente no comportamento das personagens.

W, de Stelios Koupetoris (Grécia), é uma espécie de síntese das duas sessões. Há um questionamento sobre quais foram as diretrizes que estimularam a nossa evolução infame. Infame porque somos remetidos às consequências das escolhas que foram feitas em momentos importantes da história. Vejo uma ligação quase que direta com Um mundo mais humano, de Gavin Hipkins (Bélgica, Nova Zelândia), pois há ali uma expectativa gerada em cima de hipotéticas realizações, mas que claramente são utopia.

Há também um flerte mais pungente com a perda da nossa capacidade de interagir e de nos importar com os nossos iguais. Isso é referenciado através de uma analogia em Catiorros, de Halima Ouardiri (Marrocos), e ainda mais em Weekend, de Ario Motevaghe (Irã), onde o comportamento cultural da família pode ser facilmente julgado sem que olhemos para o nosso comportamento diante de situações de exposição do dia a dia – o tão atual cancelamento já é em si uma forma de violência e existe apenas por ter seus espectadores. Em The fall, de Jonathan Glazer (Reino Unido/EUA), por motivos desconhecidos, vemos uma sociedade que tem a violência como forma de solucionar os desvios, mas que com suas máscaras demonstra total perda de identidade, e talvez também de humanidade.

As duas sessões têm uma linguagem alinhada em mostrar as frustações humanas, a solidão, a autodestruição. Alguns dos filmes projetam deixar lições para quem os assistir, e talvez o que mais fuja à regra é Ascona, de Julius Dommer (Alemanha), misto de paixão e lembranças que reforça o quão boas podem ser as interações, e a necessidade de se estimular os relacionamentos. Soa quase como um oásis em meio aos conflitos vistos nos outros curtas.

Mesmo com temas recorrentes devido à nossa realidade atual, ambas as sessões surpreendem por apresentarem roteiros simples porém consistentes, e por ressaltarem a necessidade de sermos melhores não só para o mundo, mas para nós mesmos.

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