POR UM MUNDO MENOS HUMANO – Um mundo mais humano, de Gavin Hipkins (Bélgica, Nova Zelândia)

por Pedro Pimenta

Um mundo mais humano é um ensaio visual a respeito da crença otimista que equaciona irrefletidamente progresso técnico-científico e progresso social, em especial no âmbito do debate, característico do período retratado pelo filme, dos usos e abusos da energia nuclear. O filme parte de registros fotográficos, feitos pelo pai do diretor, da Expo 58, feira mundial ocorrida no ano de 1958 na Bélgica, cujo slogan – um balanço do mundo, para um mundo mais humano – serviu de sugestão para o título do curta. O mundo em questão é aquele idealizado pela ciência moderna, mundo em que progresso significa domínio da técnica sobre a natureza, do humano sobre o seu ambiente, quando esse domínio parece se estender até às partículas elementares da matéria.

O filme apresenta também filmagens atuais do Atomium, monumento colossal de 102 metros de altura construído para a Expo 58 e que representa a estrutura elementar de um cristal de ferro, sendo a construção homenagem às conquistas da ciência e símbolo da chamada era atômica, período que tem início com o término da Segunda Guerra Mundial e que foi marcado pela disseminação de um otimismo quanto aos potenciais da energia nuclear. As imagens do monumento são captadas por uma câmera que parece orbitar um centro fixo, tal como uma esfera, lembrando o épico abstrato La région centrale (Michael Snow, 1971). Um mundo mais humano se apropria formalmente de seu objeto ao estabelecer uma metáfora visual, compartilhada também pelas ciências naturais, do átomo e de suas partículas constituintes representados como um sistema de órbitas.

Além do registro propriamente fotográfico, o filme é composto por outros materiais: maquetes e modelos de computação gráfica, padrões de cores e ruídos sonoros, uma diversidade de cartelas e intertítulos. Estes últimos oferecem, a golpes de síntese – HUMANISMO, O FUTURO, CIVILIZAÇÃO TECNOLÓGICA, DESARMAMENTO MUNDIAL, mas também CONTAMINAÇÃO DA ATMOSFERA –, as linhas gerais do debate quanto à questão do uso, promessas e limites da tecnologia nuclear, no âmbito mais geral do progresso da técnica e da ciência. De passagem, é importante ressaltar que a era atômica que a feira mundial belga festejou teve início com os primeiros usos em larga escala de tecnologia nuclear, a exemplo do clarão monstruoso que se abateu sobre Hiroshima.

Ao trabalhar com o seu conjunto de materiais, o filme funciona como uma espécie de acelerador de partículas, fazendo colidir as fotografias de arquivo, as maquetes tridimensionais de estruturas atômicas, as varreduras orbitais do Atomium, tudo isso entrecortado pelo conjunto de intertítulos e cartelas. Ao otimismo cego quanto à energia atômica – como se pôde permanecer cego frente ao clarão mais intenso já produzido pela espécie humana? –, Um mundo mais humano contrapõe um turbilhão de dilemas que tensionam a crença unilateral no progresso científico, fazendo-nos pensar nas futuras catástrofes que hoje nos avizinham, boa parte delas provocadas por uma concepção de ciência e de progresso que reduz o mundo à nossa imagem e semelhança.

Não seria o caso de defender, ao contrário, um mundo menos humano?

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