PROCURA-SE IRENICE

Contra a lógica da ordem e do progresso

A produção paulista “Procura-se Irenice”, exibida na Mostra Brasil 4, nos concede a honra de conhecer a história de uma mulher forte e talentosa, que marcou o Comitê Olímpico Brasileiro com sua resistência e luta contra o racismo, o machismo e as mordaças da ditadura militar nas décadas de 1960 e 1970.

Irenice veio à tona não através de dados históricos, mas da falta deles. Seu nome e a notícia de que havia sido expulsa da sua federação acenderam uma luz e um questionamento do motivo pela qual uma mulher negra, campeã e batedora de recordes, era tão pouco conhecida. Iniciou-se, então, uma busca por sua vida e seus feitos.

O documentário nos apresenta, através de entrevistas e poucos arquivos de imagem e áudio, as lutas travadas por Irenice. Na história, o apagamento de personalidades que tiveram um papel importante e de liderança foram feitos durante e depois da ditadura militar. Os grandes chefes aliados ao regime passaram não só a perseguir, mas a fazer invisível a existência desses nomes.

Atualmente, as consequências desses apagamentos são fortes, e a cada década que se passa os dados ficam cada vez mais distantes, e Irenice torna-se mais um nome desconhecido, mais uma história jogada fora em uma sociedade que tanto necessita de representatividade e inspiração.

Mas o que de fato também nos salta aos olhos é a mulher que foi Irenice. Sua coragem, bravura, personalidade e força impressionam. Imaginem: uma mulher negra, em plena ditatura militar, foi capaz, praticamente sozinha, de causar muitas turbulências. A princípio, por bater recordes e participar de campeonatos que não eram bem vistos, por ser mulher.

Seus resultados eram inéditos para a época; nunca alguém havia corrido como ela no Brasil. Depois, passou a usar seus poucos espaços de fala para se posicionar contra as más estruturas dos locais de treinos e as injustiças sociais da época.

Figuras como ela eram um grande perigo para o regime. Os atos de Irenice eram vistos como uma rebeldia que desestruturava a lógica da ordem e do progresso construída na ditadura. Já com um nome consagrado, não era possível que continuasse existindo como exemplo de luta.

Com direção de Thiago Mendonça e Marco Escrivão, o documentário reaviva uma história calada, de uma figura incomum e necessária para a história de luta no Brasil. Irenice não era apenas uma atleta olímpica vinda da periferia, mas um símbolo que demostra a resistência, remetendo aos movimentos Black Power, Panteras Negras e sua luta em prol de uma mudança no sistema.

O filme é todo em preto-e-branco, como um lembrança da fria época que foi a ditadura militar, trazendo o peso e a responsabilidade de pensar e buscar mais Irenices em nossa história.

(Luiz Gonzaga de Souza)

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