TEMPOS DE CÃO

Em busca de um estilo próprio

Exibido no Panorama Paulista 2, “Tempos de Cão” já se apresenta nos primeiros segundos como uma ficção científica. Isso é importante, pois há a exigência de ambientação clara e imediata para o gênero, especialmente para um curta. Os planos iniciais narram muito se esforçando pouco, e exatamente por isso se tornam muito belos. Os planos manobram e fazem dialogar os enquadramentos, a cenografia e o figurino de modo muito competente para uma ambientação de abandono, de catástrofe, caos. A influência mirada na trilogia antiga de “Mad Max” é clara; mais do que isso, na verdade se trata de um verdadeiro tributo.

Antes tivesse ficado na tentativa de tributo ou simulacro brasileiro. A trama, a partir daí, se torna uma colcha de retalhos no que diz respeito à valorização do gênero. Noto que os elementos de ficção científica pararam na informação da gasolina convertida em água. Em drama, utiliza o silêncio de forma bem inútil; o silêncio pode ser muito útil pra narrar desde que haja expectativas postas sobre ele. Sem esse antecedente, vira desperdício de plano, de tempo de tela, de paciência do espectador. Deve haver um motivo para as narrativas arrastadas serem dessa forma. Não é status ser lento per si.

Contrariando os primeiros sete minutos, em que os sons diegéticos impulsionam a narratividade da obra até então, a partir dali, enquanto conjunto, ela se acaba totalmente. O plot dos religiosos é mecânico, não diz sobre condição político-social, sobre condição individual, não explora subjetividade, não diz nada sob nenhum aspecto. A utilização de atrizes trans apenas as expõe sem qualquer proposta dramatúrgica de roteiro. Não sabemos nada sobre suas condições individuais, mas sabemos que elas têm seios. Fala mais de um deslumbramento tolo dos autores que previram as cenas do que o que elas representam ou deveriam representar ali.

Há narrações de personagens: o motoqueiro que diz quão terrível é o governo, só que, em audiovisual, mostrar é mais importante que citar, pois nem todo mundo acredita em tudo que ouve de outrem. Posso até entender que a narração do gringo, mais adiante, demonstra que há violência, mas seria por parte do Estado? Essa conclusão não é tão clara para os espectadores quanto parece ser para o roteiro.

Depois, há uma quebra da quarta parede, também sem motivo algum, sem fala, como se nós espectadores fôssemos julgados voyeurs, e à toa, pois fomos convocados com ineditismo. Esse é o problema; o filme — dirigido por Ronaldo Dimer e Victor Amaro — parece buscar um estilo próprio, mas, com exposição gratuita, apenas se torna um museu do que nunca existiu e não faz sentido enquanto tecido textual de gênero. Até a crítica desse filme se faz esquizofrênica, tamanha fragmentação do que é preciso tentar dar coesão pra comentar.

Antes tivesse sido pensada apenas uma homenagem a “Mad Max” em formato de cópia atualizada para o tupiniquim ao som do heavy metal dos créditos em

algum momento. A utilização da ficção científica para falar coisa nenhuma, através de uma inicial ambientação competente, insulta o gênero. Ficção científica é difícil de fazer porque propõe alto o pensar filosófico. Necessita roteiro. Apenas técnica não me convence, e a estética per si dança sem sair do lugar e sem impressionar ninguém.

(Rogério Henrique Gonçalves)

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *