TORRE

Lembranças de infância sob ditadura

A animação paulista “Torre”, dirigida por Nadia Mangolini e exibida na Mostra Brasil 4, é uma obra que aterriza o espectador, nos conectando a fortes histórias sobre a ditatura militar, e abordando a questão de maneira lúcida, transparente e penetrante.

Cada história apresenta uma linha em comum: a ausência da paternidade no período, causada por desaparecimentos e assassinatos, e o refúgio em Cuba. A partir da infância, essas pessoas retratam suas experiências de vida sob a perspectiva adulta amalgamada às dores do passado. A animação é regada de traços, cores e vibrações, como se fossem tirados de um pedaço de papel com desenhos a lápis e tinta, transformados em movimento e vida, com uma beleza espetacular.

Ouvimos as vozes reais dos protagonistas e, sobre a tela, vemos as transformações das histórias que nos hipnotizam. Há uma clara narrativa, que é cuidadosa em seu roteiro, como se o curta segurasse a mão do espectador e o levasse para cada canto do filme e o mergulhasse numa imagética particular. Ao mesmo tempo que assistimos à animação, é possível imaginar o que há mais além do filme, que extrapola as telas.

Abordar o período da ditatura militar é um grande desafio. O período é regado de sangue e dor, num complexo contexto político, trazendo fortes resquícios até hoje. “Torre” consegue tratar desse contexto de maneira a abordar o íntimo de seus protagonistas, usando como base as lembranças da infância que nos atingem de maneira a refletir, e, aos que tiveram a sorte de não viver na ditadura, uma busca por mais entendimento da delicada situação.

É inovador e atraente, a princípio pelas belas figuras da animação, mas também por trazer sensações e observações que vêm de dentro para fora, tornando-se poético. As cenas são versos e cada história é uma estrofe que constroi uma narrativa única.

As crianças do filme, que são os adultos de hoje e as vozes contadoras, parecem acenar para o público, como um convite, um pedido de um olhar imediato ao que acontecerá depois.

“Torre” é um curta necessário, que consegue atrair os olhares de todas as pessoas, seja qual for sua idade ou classe social, e se apresenta sem mostrar as cenas de violência da ditadura, conseguindo ser tão impactante quanto, no íntimo.

(Luiz Gonzaga de Souza)

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